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Estudo do Movimento segundo a
Metodologia Net-In
Alberto Mesquita Filho
Capítulo 5 - Página 1

5.1 Física e matemática

Em capítulos anteriores mostramos como correlacionar, através de três maneiras distintas, as medidas da posição s e do instante t em que um determinado objeto ocupa esta posição. Estas três maneiras foram: tabelas, gráficos e expressão matemática obtida no Excel. No primeiro caso (tabela) temos uma função do tipo s = fe(t) e cujo domínio retrata o conjunto dos valores experimentais de t (e daí o fe Þ função experimental). O gráfico construído (gráfico de dispersão) deixa implícita a nossa convicção na continuidade do movimento. A equação, por sua vez, traduz esta convicção para uma esperança matemática, qual seja, a de que a função s = f(t) venha a representar todos os possíveis valores da posição no decorrer do tempo (equivale a dizer: estamos expandindo o domínio da função para um contínuo representado por números reais).

A fim de transmutarmos esta esperança matemática em realidade física está faltando acrescentarmos um ou alguns condimentos. No caso do movimento uniforme, por exemplo, obtivemos no Excel, e para o exercício 4.2 (página de exercícios do capítulo 4), uma equação do tipo:

s = b + ct
eq. 5.1

em que b e c são constantes. Esta equação, obtida para movimentos de objetos isolados e em condições quase inerciais, está em total acordo com o primeiro princípio da mecânica enunciado no item 4.6. Não se trata pois de um achado matemático fortuito e obtido através da manipulação de dados experimentais. As constantes b e c têm um significado físico: b nada mais é senão a posição ocupada pelo objeto no tempo inicial (t = 0):

s(0) = b + c.0 = b = so

E c é a velocidade do objeto de estudo, aquela que pelo primeiro princípio deveria se manter constante no referencial que está sendo levado em consideração:

s - so = c(t - to)

[em que to foi assumido como igual a 0]

ou

c = (s - so) / (t - to) = Ds / Dt = v

A equação horária do movimento retilíneo e uniforme é, portanto:

s = so + vt
eq. 5.2

e neste caso observamos que ela é concorde com a esperança matemática (linha de tendência do Excel).

No estudo de movimentos mais complexos os objetos não estão sujeitos à obediência apenas do primeiro princípio. Neste caso os objetos interagem com outros objetos, o que pode se traduzir em mudanças de velocidade no decorrer do tempo. Essas interações devem se sujeitar a princípios outros (condições de não-isolamento) e portanto não estamos ainda aparelhados para verificar se a equação horária (interpretada como uma equação física) está ou não em acordo com a linha de tendência (ou de ajuste experimental) obtida no Excel. Podemos, não obstante, verificar que a realidade física nem sempre concorda com este ajuste experimental, e este será o assunto do próximo item.

5.2 Ajuste experimental vs realidade física

O exercício 3.3 (página de exercícios do capítulo 3) retrata um objeto que está realizando um movimento harmônico simples (mhs). Trata-se de um movimento que aparece com grande frequência em física porém a exigir uma interação do objeto de estudo com outros objetos. A figura 5.1 mostra um possível tipo de interação (bola/mola) e, por ora, não iremos entrar em detalhes relacionados aos fatores causais posto que não estamos ainda devidamente aparelhados para isto. Direi apenas que o movimento se conserva e de maneira periódica, ou seja, a repetir-se no decorrer do tempo [1].

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Figura 5.1

O exercício 3.3 pede a equação horária e não é impossível que você tenha chegado à mesma. Não obstante, e se você seguiu a metodologia exposta nos capítulos anteriores, é bem possível que tenha chegado a uma função s = f(t) a se aproximar bastante dos valores experimentais, porém sem ter muito a ver com a realidade física.

Como veremos oportunamente [2], a equação horária do mhs é do tipo

s = Acos(wt+fo)
eq. 5.3

em que A, w e fo são constantes do movimento. Um exemplo desta equação é:

s = 7,5cos(0,63t)
eq. 5.4

[com s em centímetros e t em segundos]

Suponhamos então que seja esta a equação horária do movimento e vamos caminhar no sentido inverso ao experimental, ou seja, da equação para a tabela. Começando com t=0 e calculando s para valores de tempo variando de um em um segundo até 20 segundos (t = 0, 1, 2... 20) chegamos na tabela 5.1:

Tabela 5.1
t
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
s
7,5
6,1
2,3
-2,4
-6,1
-7,5
-6,0
-2,2
2,4
6,1
7,5
6,0
2.2
-2.5
-6,2
-7,5
-5,9
-2,1
2,5
6,2
7,5

O gráfico correspondente está apresentado abaixo (figura 5.2). Como são dados teóricos, e não experimentais, não estranhe a regularidade dos pontos.

Figura 5.2
Figura 5.2

Se procurarmos no Excel por uma linha de tendência a se ajustar a estes pontos verificaremos que, em alguns casos, as polinomiais estarão tanto mais próximas desta realidade teórica [3] quando maior for a sua ordem (no Excel a ordem máxima é 6). Os gráficos mostrados na figura 5.3 foram obtidos, para o exemplo em questão, com polinomiais de ordem respectivamente iguais a 4, 5 e 6:

Figura 5.3
Figura 5.3

A polinomial de ordem 6 ajusta-se razoavelmente bem [3] aos pontos (R2 = 0,98), a sugerir uma função s = f(t) do tipo

s = at6 + bt5 + ct4 + dt3 + et2 + ft + g
eq. 5.5

em que a, b, c, d, e, f e g são constantes. Se estivéssemos trabalhando com pontos experimentais seria difícil decidir qual seria a equação horária do movimento, se esta (eq. 5.5) ou aquela apresentada anteriormente e que serviu para a construção da tabela 5.1 (eq. 5.3). As duas equações se prestam a representar razoavelmente bem a função, mas apenas a primeira delas se adéqua à realidade física (o que será visto oportunamente), sendo portanto a equação horária do movimento.

O primeiro exercício deste capítulo (exercício 5.1) apresenta um movimento complexo e pede ao leitor que encontre uma função do tipo s=f(t) que se ajuste bem aos valores experimentais. Esta função não precisa ser obrigatoriamente a equação horária do movimento. Para visualizar ou resolver o exercício clique aqui. O exercício 5.9 também trata deste assunto, porém exige conhecimentos que ainda serão apresentados.

5.3 Determinação da velocidade a partir da tabela s = fe(t)

Com os argumentos apresentados até agora foi-nos possível caracterizar a velocidade média vm de um objeto em movimento retilíneo. Velocidade média relaciona-se sempre a uma distância percorrida (Ds) em um determinado intervalo de tempo (Dt), sendo dada pela expressão vm = Ds/Dt. Está implícito também, nesta expressão, a rapidez com que o objeto percorre esta distância Ds. E a expressão estará tanto mais próxima de representar uma propriedade pontual, e a variar de ponto a ponto, quanto menor for o intervalo de tempo considerado. Para o caso do movimento retilíneo e uniforme vm permanece constante durante toda a trajetória, qualquer que seja o intervalo de tempo considerado e, por este motivo, já nos acostumamos a tratá-la simplesmente por velocidade. Isto é quase equivalente a dizer que no movimento retilíneo e uniforme a velocidade é constante em todos os pontos da trajetória. Ou seja, já estamos assumindo de longa data a idéia de uma velocidade instantânea e a retratar a rapidez com que um objeto passa por um determinado marco (ponto fixo da trajetória). Vamos agora tentar expandir esta idéia de velocidade instantânea para movimentos retilíneos quaisquer.

No exercício 4.3 (capítulo anterior) foi apresentado um desafio a induzir o leitor a concluir por esta idéia. É chegada a hora então de expor de maneira mais refinada [4] os detalhes que estão por trás deste desafio. Os pontos experimentais eram os seguintes:

Tabela 5.2    (t em ut e s em pix)
t
0
1
2
3
4
5
6
7
8
s
28
129
219
298
366
423
468
502
516

O exercício solicita inicialmente a obtenção das velocidades médias para todos os possíveis intervalos experimentais Ds que contenham o quinto ponto como extremidade. Cuidado: o quinto ponto é aquele que aparece quando t = 4, haja vista que, para a construção da tabela 5.2, fixamos a origem dos tempos (t = 0) no primeiro ponto.

Vamos então, com os dados da tabela 5.2, calcular as velocidades médias vm = Ds/Dt solicitadas pelo problema construindo, com esses valores, uma nova tabela (5.3) onde estão também os respectivos Dt = t4 - ti e Ds = s4 - si. [i = 0, 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8].

Tabela 5.3
Dt
4
3
2
1
-1
-2
-3
-4
Ds
338
237
147
68
-57
-102
-136
-150
vm
84,5
79
73,5
68
57
51
45,3
37,5

Com os dados desta nova tabela (5.3) podemos agora construir o gráfico vm = f(Dt) [Figura 5.4]. Observando o comportamento dos pontos deste gráfico verificamos que à medida em que Dt diminui, tendendo a 1, vm aproxima-se, tanto pela esquerda quanto pela direita, de um valor próximo a 60 pix/ut. A linha de tendência expande esses valores podendo-se inferir este comportamento para valores menores de Dt (= 0,1, 0,01, ...). Em particular, para valores de Dt bem pequenos (tendendo a zero), vm aproxima-se graficamente de 62 pix/ut, o que pode ser verificado também pelo exame da equação da reta (linha de tendência) fazendo-se Dt=0:

vm @ 5,8Dt + 62 = 5,8 × 0 + 62 = 62 pix/ut.

Figura 5.4
Figura 5.4

Nestas condições costuma-se dizer que no limite, para Dt tendendo a zero, vm tende para um valor constante e que seria a velocidade instantânea v no ponto levado em consideração (ou seja, o quinto ponto experimental). Matematicamente expressa-se esta tendência através do algoritmo:

equação 5.6
eq. 5.6

Considerações de natureza metodológica: A despeito de seu valor didático, no sentido de levar o estudante a conceber a idéia de limite, o método acima descrito deixa a desejar. Para cada ponto experimental teríamos que repetir todas as etapas descritas, obtendo-se assim um conjunto de valores v=fe(t), agora em uma nova tabela.

Existem meios mais simples para chegarmos à função v=f(t) e seguiremos nesta direção. O caminho que estamos utilizando pode ser sintetizado nas seguintes etapas: 1) a partir da tabela s=fe(t) [etapa exposta acima]; 2) a partir do gráfico s=f(t); 3) a partir da equação horária s=f(t). Em cada uma dessas etapas visualizaremos conceitos novos e, de posse desses conceitos, evoluiremos em direção à caracterização de métodos cada vez mais simples. Perceberemos então como a noção intuitiva de limite, que entrou na física através de Galileu e de seus contemporâneos (capítulo 4, item 4.5), cedeu lugar à idéia matemática de limite da maneira como é utilizada na atualidade.

5.4 Determinação de v a partir do gráfico s = f(t)

A partir do gráfico s = f(t) também é possível se chegar à função v = f(t) através de pelo menos duas maneiras. A primeira é bastante similar àquela vista no item anterior e tão trabalhosa quanto. Seja então o gráfico da figura 5.5 aquele onde pretendemos determinar a velocidade do objeto de estudo, digamos, no segundo ponto aí representado, qual seja, o ponto (t=4, s=304) ou, simplesmente, (4, 304).

Figura 5.5
Figura 5.5

A velocidade média entre dois pontos quaisquer pode ser obtida através de leitura direta no gráfico. No caso aí representado (segundo e oitavo pontos) teríamos Ds @ 400 - 304 = 96 pix e Dt = 10 - 4 = 6 ut. A velocidade média seria então, para este intervalo: vm = Ds/Dt @ 96/6 = 16 pix/ut.

O mesmo cálculo poderia ser feito para os demais intervalos que têm o ponto (4, 304) em comum. A figura 5.6 mostra os traços vermelhos equivalentes para cada um dos intervalos (as retas secantes à curva passando pelos pontos considerados). Os triângulos com lados Ds e Dt foram omitidos por questão de clareza).

Figura 5.6
Figura 5.6

Ao final deste trabalho, e por procedimento similar àquele efetuado no sub-item anterior (interpolação ou extrapolação), chegaríamos à determinação da velocidade no ponto considerado [segundo ponto, ou ponto (4, 304)]. O processo teria então que ser repetido para cada um dos pontos restantes chegando-se assim à função v = fe(t). Sem dúvida, é muito trabalho.

Não obstante, observe atentamente as figuras 5.5 e 5.6. Na primeira delas dirija a atenção para o triângulo retângulo aí desenhado bem como para o ângulo a. E na figura 5.6 perceba a disposição das secantes (segmentos de reta vermelhos) que têm como uma das extremidade o ponto comum (4, 304). Note que à medida em que os pontos do intervalo vão se aproximando (Dt®0), as secantes vão tendendo à reta tangente à curva do gráfico. Esta reta é a tangente à curva exatamente no ponto considerado (4, 304). Estamos frente a um outro limite intuitivo e que poderia ser descrito como:

lim_tangente
eq. 5.7

onde por tangente e secante entenda-se, respectivamente, reta tangente e reta secante.

Este algoritmo é a chave para simplificarmos o procedimento. Observe que nos casos em que temos a reta secante (Dt ≠ 0), a tangente do ângulo a que esta reta secante determina com o eixo das abscissas é exatamente igual a vm = Ds/Dt (cateto oposto/cateto adjacente do triângulo representado na figura 5.5). No caso limite (Dt = 0) não temos mais o triângulo, mas temos o ângulo que a reta tangente determina com o eixo das abscissas. Se a reta secante, no limite, está tendendo para a reta tangente, o ângulo a levado em consideração está também tendendo a um valor fixo e a tangente deste ângulo está a representar o valor do limite de Ds/Dt (vm) para Dt®0 (leia Dt tendendo a zero). E este valor limite, como expresso na equação 5.6, nada mais é senão a velocidade instantânea.

Em resumo, todo este trabalho poderia ser resumido na determinação da tangente do ângulo que a reta tangente à curva, no ponto considerado (aquele ponto onde queremos determinar v), demarca com o eixo das abscissas [5]. E isto, como veremos a seguir, pode ser feito com relativa facilidade, a menos de um pequeno detalhe de natureza procedimental.

O detalhe é o seguinte: O ângulo a que devemos levar em consideração não é exatamente aquele que podemos medir no gráfico (chamemos então este ângulo gráfico por a'). Isto porque os eixos não têm as unidades de s e t equalizadas. Note, em qualquer dos dois gráficos, que a unidade de t corresponde, em comprimento no gráfico, a cerca de 50 unidades de s. O gráfico não foi construído com a finalidade de expressar o ângulo a, mas com a finalidade de expor a função considerada de uma maneira clara. Mesmo porque, se tentarmos remediar o problema, seja comprimindo o gráfico no sentido do eixo das abscissas, seja expandindo o mesmo no sentido do eixo das ordenadas, chegaremos a algo do tipo mostrado na figura a seguir

Figura 5.7
Figura 5.7

onde seria praticamente impossível efetuar alguma leitura relevante. Em dúvida clique aqui.

O procedimento pode ser remediado de uma maneira relativamente simples. Medimos a tangente do ângulo gráfico a' (ângulo, no gráfico, entre a reta tangente, no ponto considerado, e o eixo das abscissas) e a seguir multiplicamos este valor por um fator de correção f correspondente à equalização dos eixos (ou seja, eixos com unidades expressas por um mesmo comprimento). O fator de correção f é determinado por um procedimento exposto nos exercícios 5.2 e 5.3 deste capítulo (exercícios de aplicação - tente resolvê-los agora) e será o mesmo para todos os pontos do gráfico. Obtidas as retas tangentes para todos os pontos, com as respectivas tangentes dos ângulos a (tan a = f.tan a'), o problema estará resolvido, uma vez que:

eq tangente
eq. 5.8

e, portanto:

v = f.tana'
eq. 5.9

Isto pode ser efetuado diretamente no gráfico original utilizando-se o procedimento exposto nos exercícios 5.4 a 5.7 deste capítulo (exercícios de aplicação). Não é necessário então efetuar interpolações (como mostrado na figura 5.4) nem extrapolações (como sugere a figura 5.6).

Para continuar lendo este capítulo clique abaixo em Página 2.

 


Notas e Referências:
  1. O movimento da figura 5.1 não é exatamente um mhs pois o arquivo swf não foi construído com a sofisticação necessária. Trata-se apenas de um movimento de vai e vem, com velocidade praticamente constante nos pontos mais centrais e reduzindo ligeiramente nos extremos do movimento, quando a velocidade muda bruscamente de sentido.
  2. O assunto é discutido de maneira bastante light no eCC em uma das páginas da seção Diálogos Usenet.
  3. Este ajuste através de polinômios de ordem elevada não está livre de riscos. Um polinômio de grau n possui tantas raízes quanto o número de seu grau, o que se traduz por uma função com fortes oscilações. Como regra, e se o emprego deste ajuste for a melhor solução para o caso, procure utilizar o polinômio de ordem mais baixa possível e que satisfaça as suas necessidades. Em dúvida consulte livros ou artigos relacionados ao tema (Cálculo Numérico).
  4. Os s's da tabela 5.2 representam os valores x de cada ponto do exercício como eles aparecem na tabela do exercício. Para o exercício em questão (4.3) trabalhou-se não com os valores de x, mas com os valores de Dx.
  5. Os métodos para o encontro de retas tangentes foram desenvolvidos por Pierre Fermat (1601-1665) e Isaac Barrow (1630-1677) e desempenharam papel importante na formulação final do cálculo de Newton. [STEWART, James, Cálculo - Volume 1 (tradução da 6a. edição Norte-Americana), Cencage Learning Edições Ltda, 2010, p. 139.]