Estudo do Movimento segundo a
Metodologia Net-In
Alberto Mesquita Filho
Capítulo 5 - Página 2
5.5 Determinação de v a partir da função s = f(t)
A equação 5.8 pode ser escrita da seguinte maneira:
eq. 5.10ou, simplesmente:
eq. 5.11Este é um caso muito especial de limite estudado em matemática e, dada a sua importância, costuma ser colocado em capítulo a parte sob a denominação derivada. Em geral pode ser interpretado como uma taxa de variação e, para o caso especificado, seria a taxa de variação do espaço em relação ao tempo, ou seja, a velocidade.
A simbologia para derivada é bastante rica. Para o caso acima utilizamos a relação entre diferenciais (ds/dt) e este assunto será discutido no próximo item. Outros símbolos que você encontrará na literatura são:
eq. 5.12Vamos mostrar agora como o problema original [s = f(t) Þ v = f '(t)] pode ser resolvido através da utilização deste limite. Abordaremos, por ora, apenas as polinomiais.
Seja uma polinomial de ordem qualquer. A polinomial é uma equação do tipo:
s = atn + btn-1 + ctn-2 +... + pt2 + qt + r eq. 5.13em que a, b, c..., p, q, r são constantes. Notar que qt=qt1 e r=rt0. A ordem da polinomial é dada por n. Vamos procurar a solução para as três primeiras polinomiais, quais sejam:
- Polinomial de ordem zero: s = a Þ repouso;
- Polinomial de ordem um: s = at + b Þ movimento uniforme;
- Polinomial de ordem dois: s = at2 + bt + c Þ movimento uniformemente variado.
Para o primeiro caso temos:
s = a (1)
s + Ds = a (2)Subtraindo a primeira expressão (1) da segunda (2):
Ds = 0
qualquer que seja o Dt. Portanto:
e v = f '(t) = 0 (objeto em repouso). Ou seja, a derivada de uma função constante [s(t) = a], é uma função igual a zero em todo o seu domínio. Isto não deve surpreender o leitor, haja vista que pelo método das tangentes chegaríamos ao mesmo resultado: A reta tangente a uma função constante determina sempre um ângulo igual a zero com o eixo das abscissas e a tangente de zero é igual a zero.
Para os demais casos o procedimento é semelhante, como mostrado na tabela 5.4:
Polinomial de ordem 1
Movimento uniforme Polinomial de ordem 2
Movimento uniformemente variado s(t) s = at + b (1) s = at2 + bt + c (1) s(t+Dt) s + Ds = a(t + Dt) + b s + Ds = a(t + Dt)2 + b(t + Dt) + c s + Ds = at + aDt + b (2) s + Ds = at2 + 2atDt + aD2t + bt + bDt + c (2) (2) - (1) Ds = aDt Ds = 2atDt + aD2t + bDt ÷ Dt Ds/Dt = a , " Dt (*) Ds/Dt = 2at + aDt + b v(t) v(t) = a = constante v(t) = 2at + b
a velocidade varia linearmente com o tempo
(acréscimos iguais em intervalos de tempo iguais) e daí
a caracterização do movimento como uniformemente
variado (*) " Dt = qualquer que seja DtTabela 5.4
Pode-se demonstrar que:
- Se s = atn, sua derivada será v = s' = natn-1.
- 2. A derivada da soma de funções é igual à soma das derivadas das funções.
Consequentemente, a derivada da função expressa na equação 5.13 será:
[eq. 5.13]: s = atn + btn-1 + ctn-2 + ... + pt2 + qt + r
v = natn-1 + (n-1)btn-2 + (n-2)ctn-3 + ... + 2pt + q
É quase sempre possível obter a derivada de uma função por procedimento análogo ao mostrado na tabela 5.4. O cálculo do limite nem sempre é tão simples, mas o leitor deve se familiarizar com essas técnicas de Cálculo, pelo menos para as funções mais encontradas em física (polinomial, exponencial, logarítmica, trigonométricas etc.). Após se familiarizar com o procedimento, e para evitar aborrecimentos repetitivos, utilize as tabelas que são apresentadas como apêndices na maioria dos livros básicos de física. Você poderá obter derivadas de algumas dessas funções clicando aqui.
5.6 Diferenciais e o operador diferença (D)
Diferencial e infinitesimal surgem na história da matemática de uma maneira bastante confusa e a confusão persiste até os dias atuais [1]. Longe de dizer se esta ou aquela interpretação, deste ou daquele termo, está certa ou errada, tentarei driblar a ilogicidade inerente à história, procurando apenas fornecer elementos para que o leitor possa entender o que se segue. E o que se segue tem tudo a ver com o relacionamento entre dois conceitos fundamentais para o prosseguimento de nosso estudo, quais sejam, o de derivada e o de integral.
Diferencial, como vimos no item anterior, surge do desenvolvimento de um limite especial (eq. 5.11) a que se convencionou chamar derivada, qual seja:
eq. 5.14ds/dt tanto pode ser interpretado 1) como um símbolo único, e neste caso indissociável [2]; ou então 2) como um quociente real de duas entidades (ds e dt), entidades estas que teriam que ser definidas. A grande maioria dos autores segue esta segunda linha (a meu ver a mais correta), impondo a existência de ds e dt como diferenciais. É aí que começa a confusão. Exatamente na hora de definirmos o que seja diferencial.
Alguns procuram forçar a caracterização de ds e dt como casos especiais de Ds e Dt. Seguindo esta linha, não lhes resta outra alternativa que não a de considerar dt como algo muito próximo de zero, já que é isto o que o primeiro termo está a sugerir (Dt®0). Para esses autores, diferencial e infinitesimal (a ser definida mais à frente) seriam quase sinônimos.
Outra conduta, a meu ver mais razoável, seria analisar o significado de ds e dt não através da expressão a caracterizar este limite, mas sim do valor operacional deste limite e que é sempre a tangente de ângulos a's [3]:
eq. 5.15Neste caso é sempre possível se pensar em ds e dt como catetos de um triângulo retângulo que tem por vértice o ponto da curva s=f(t) que está sendo levado em consideração. A hipotenusa é tangente à curva s=f(t), ds é paralelo ao eixo s e dt é paralelo ao eixo t (figura 5.8).
Figura 5.8Qualquer triângulo a satisfazer esta condição fornece um ds e um dt, e como o número desses triângulos é infinito, existem infinitos ds's e infinitos dt's para cada ponto da função s. Em outras palavras, ds (ou dt) pode ser tão grande quanto se queira e também tão pequeno quanto se queira. Pode até mesmo ser infinitamente pequeno. A única condição que esta regra impõe é que ds e dt sejam considerados aos pares. Assumido um ponto da curva s=f(t), se fixarmos o valor de qualquer deles, ds ou dt, o valor do outro, dt ou ds, estará obrigatoriamente determinado (grau de liberdade igual a um).
SPIEGEL [4], por exemplo, se bem que em um contexto ligeiramente diferente, diria o seguinte: dado dt determinamos ds mediante a eq.5.15, isto é, ds é uma variável dependente determinada a partir da variável independente dt para um dado t. Isto é o que se faz na prática quando calculamos, por métodos gráficos, a tangente de a [e portanto a derivada da função s=f(t) no ponto considerado]. Neste caso escolhemos um dt (ou um ds) conveniente (de fácil visualização no gráfico), lemos no gráfico o valor do par de elementos (ds e dt) e calculamos seu quociente.
É importante notar que o par de diferenciais é definido a partir de um único ponto da função s, ao contrário do par Ds e Dt que foi definido a partir de dois pontos. Ainda que um desses pontos seja fixo, não há como ignorar a existência do outro. Por outro lado, se para quaisquer dois pontos escolhermos o dt de um desses pontos como igual a Dt (figura 5.9), o ds conjugado certamente será diferente de Ds [a não ser em condições muito particulares como, por exemplo, para uma função s=f(t) linear]. As figuras 5.9 e 5.10 ilustram o que foi comentado.
Figura 5.9 Figura 5.10Na situação limite, a rigor não existe nem Ds e nem Dt. O que o limite nos propõe é um valor a representar a extrapolação do quociente Ds/Dt para uma situação imaginária em que Dt = 0 (os dois pontos da função tendem a um único ponto). Mas a relação Ds/Dt somente existe, como tal, enquanto existirem os dois pontos da função. Por outro lado, este valor limite iguala-se ao quociente ds/dt das diferenciais, como definidas acima. Existindo a função derivável, estas diferenciais, caracterizadas como constitutivas de uma função linear de ponto [5], existirão sempre, e nos permitem a determinação do quociente ds/dt no gráfico. Podemos até mesmo considerar ds (ou dt) tão pequeno quanto pudermos imaginar. A única imposição é que esta consideração fique limitada à escolha de apenas um dos valores (ds ou dt), pois para cada ponto da função s=f(t) o nosso grau de liberdade é igual a um.
5.7 Análise conjunta das funções s = f(t) e v = f'(t)
Obtida a função v = s' = f '(t) por qualquer dos métodos apresentados acima, vamos tentar entendê-la lado a lado com sua função original s. A figura 5.11 mostra duas facetas de uma mesma realidade, ou seja, dois gráficos [(s = f(t) e v = f '(t)] a retratarem características do movimento de uma partícula passando por um ponto P de sua trajetória. No primeiro gráfico escolhemos arbitrariamente um dt1 qualquer e determinamos o seu ds1 conjugado. Pelo visto anteriormente, sabemos que v = ds1/dt1 e, consequentemente:
ds1 = vdt1. eq. 5.16
Figura 5.11É fácil constatar, examinando o segundo gráfico da figura 5.11, que v.dt1 pode ser numericamente identificado com o valor da área do retângulo aí representado em vermelho. Este retângulo tem, por construção, a altura igual a v e a base igual a dt1 (aquele mesmo dt que foi escolhido arbitrariamente). A conclusão é óbvia:
ds1
dA1.
O numericamente igual justifica-se uma vez que dA1 é área apenas no gráfico. Neste gráfico convencionamos representar a velocidade por um comprimento (altura) e fizemos algo semelhante com dt. Do ponto de vista físico dA tem a mesma dimensão de ds (comprimento). Fisicamente falando, ds1 e dA1 representam a mesma coisa:
ds1 = dA1 = v.dt1. eq. 5.17Vamos agora considerar um trecho longo do movimento de um objeto de estudo. Digamos que neste trecho o objeto percorre uma distância igual a Ds em um intervalo de tempo igual a Dt. Podemos dividir este Dt em um número arbitrário n de sub-intervalos. Por simplicidade façamos todos esses sub-intervalos iguais entre si e, portanto, iguais a Dt/n. Na figura 5.12 o n escolhido foi 3.
Figura 5.12Sejam então Pi os n pontos iniciais dos n intervalos considerados (no caso, n=3). Vamos verificar as propriedades desses n pontos Pi da mesma maneira que fizemos para o ponto P da figura 5.11. Como as propriedades são pontuais, cada Dt/n está sendo aqui pensado como um dti [6]. Consequentemente, e por opção nossa, os dti são todos iguais. Portanto, segue da equação 5.17 que qualquer que seja i,
dsi = dAi = vi.dti = vidt. (i = 0, 1, 2)
Três coisas chamam a atenção na figura 5.12:
No gráfico da esquerda, somando-se todos os dsi's chegamos a um valor menor do que Ds. No gráfico da direita, somando-se todos os dAi's chegamos a um valor menor do que o valor da área ADt delimitada pelo gráfico da função v com o eixo das abscissas e no intervalo Dt considerado. Aumentando-se n essas duas diferenças são reduzidas.Pergunto: De quanto, ou até quanto?
Pelo que foi visto no item anterior conclui-se que para dt = Dt/n:
e
Verifica-se facilmente que se n tender a infinito, dt tende a zero e as somatórias acima representadas tendem respectivamente para:
eq. 5.18e
eq. 5.19Consequentemente:
Ds = ADt.
A esses limites especiais dá-se o nome de integral definida, cuja notação é:
eq. 5.20ou
eq. 5.21
A = área sob o gráfico entre t=a e t=b
Os índices a e b representam os extremos do intervalo Dt que está sendo levado em consideração. O símbolo ʃ substitui a somatória acoplado com o fato desta somatória estar sendo levada ao limite. Frente a este limite os índices i's tornam-se irrelevantes (n®∞ ou, o que seria equivalente, dt®0).
A esses valores infinitamente pequenos de ds e dt costuma-se dar o nome infinitesimais. Parece estar havendo, com isto, uma certa tendência a interpretar estes conceitos como se estivessem relacionados a dois pontos muito próximos entre si (ou seja, como se representassem Ds's e Dt's infinitamente pequenos). Mas isto na realidade não existe como tal durante o processo de desenvolvimento deste limite (ou desta integração). Na integração não chegamos a aproximar dois pontos, mas sim aumentamos o número de pontos que entram em consideração até que, no limite, imaginamos ter englobado todos os infinitos pontos que existem no intervalo considerado. Este intervalo macroscópico Dt é a única grandeza delta que chega a ser utilizada no processo, e este Dt permanece constante durante o mesmo. A rigor, e pensada como entidade delta (D), a infinitesimal não existe, pois a distância entre um ponto e ele mesmo é sempre zero, e não algo a tender para zero. Melhor seria então chamar a infinitesimal como um caso particular de diferencial, aquela que está sendo levada ao limite no ato da integração. Assim é que alguns autores referem-se a esta entidade como sendo uma diferencial infinitesimal.
O importante então é lembrar que a integração exige uma consideração limite para o valor da diferencial dt, pensada aqui como função de um único ponto. Em cada ponto existe uma função diferencial ds, e em cada integração manipula-se com o limite dessa função (para dt®0), e isto ocorre concomitantemente com o fato de o limite do número de pontos levados em consideração tender a infinito (n®∞).
Quanto ao mais, eu diria que interpretar este limite da diferencial como função de dois pontos pode não chegar a induzir a erros de cálculo, mas nos caracteriza como seguidores da monadologia de Leibniz, onde as infinitesimais seriam um tipo de mônada. Estaríamos assim frente ao cálculo diferencial e monadal.
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Notas e Referências:
Um passeio através do Google é suficiente para rastrear esta confusão a respeito da definição dos termos ora em consideração. Para um melhor entendimento da história relacionada a esta confusão vide o artigo Concepções Infinitesimais na Matemática dos autores BALDINO, R.R. e CABRAL, T.C.B.- Seria simplesmente a derivada, sem mais percalços, assim como s', Df(t), etc.
- Os ângulos que as retas tangentes à curva s=f(t) formam com o eixo das abscissas.
- SPIEGEL, M.R.: Cálculo avançado, Ed. McGraw-Hill do Brasil Ltda, São Paulo, 1972.
Sob esse ponto de vista, a diferencial costuma ser definida como uma função linear que associa a cada número x o produto da derivada pelo número x. A diferencial em um ponto Pi do gráfico poderia ser expressa como dsi = s'i(t).x. Existiria então uma função ds para cada ponto da função s'(t). [Observar que ds é a diferencial de s e não dela própria, logo não estranhe o fato dela não estar correlacionada com um dx e sim com x.] Isto é sempre possível, pois dt pode assumir qualquer valor arbitrário, inclusive igualar-se a um Dt.